quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

ENTRE O DELÍRIO E A OUSADIA: ANALISANDO A BIBLIOTECA DE PARIS SOB ÓTICA DE BIGNESS, DE REM KOOLHAAS

Colaboração Natália Singh: http://www.facebook.com/photo.php?pid=31140887&id=1473575337&notif_t=photo_tagged_by_non_owner#!/profile.php?id=1801450923




“Especialmente entre a década de 1890 e 1940, uma nova cultura (a era da máquina) elegeu como laboratório Manhattan: uma ilha mística onde a invenção e teste de um estilo de vida metropolitano e sua consequente arquitetura poderiam ser aplicados como um experimento coletivo em que toda a cidade se tornaria uma fábrica de experiência artificial, onde o real e o natural deixariam de existir.”

Partimos deste extrato de Delirio Nueva York para tentar entender como a pesquisa de Koolhaas realizada nos anos 70 nos Estados Unidos foi capaz de se desdobrar e influenciar o nosso modelo de estudo neste trabalho: o projeto da Biblioteca de Paris e o texto Bigness, publicado duas décadas depois em Small, Medium, Large, Extra Large.

O projeto foi realizado para um concurso lançado pelo governo francês em 1989 para abrigar cinco diferentes tipos de bibliotecas, do qual seu escritório – OMA – participou, sendo derrotado.
Na década de 70, as ideias contidas em Bigness pareciam um fenômeno exclusivamente do “Novo Mundo”. Mas, na segunda metade dos anos oitenta, multiplicaram-se sinais onda de modernização que iria atingir o “Velho Mundo”, marcando um novo começo mesmo no “continente terminado”. Contra o pano de fundo europeu, o impacto causado por Bigness “(...) nos forçou a fazer o que está implícito em Nova York Delirante(...)”, como o próprio Koolhaas afirma. “Bigness se tornou uma dupla polêmica, confrontando as tentativas anteriores de integração e concentração e doutrinas contemporâneas que debatem a possibilidade de “o Todo” e “o Real” como categorias viáveis e se resigna o supostamente inevitável desmonte e dissolução da arquitetura”.

Em Bigness, Rem Koolhaas aprofundará seu manifesto retroativo: irá propor uma transição do arranha-céu para o “big building”, do qual o arquiteto perde o controle se tornando nada mais do que “(...) um máximo de programa e um mínimo de arquitetura”.

Um salto astronômico de escala, uma produção de massa crítica, influenciada pela cultura do congestionamento, o aprofundamento e radicalização no uso do elevador e o rompimento da “relação humanista entre exterior e interior” serão os pontos-chave para discussão do projeto.




“(...) a arquitetura é uma profissão perigosa porque é uma mistura venenosa de impotência e onipotência, no sentido de que o arquiteto quase sempre alimenta sonhos megalomaníacos que dependem de outras pessoas e de determinadas circunstâncias para se imporem e concretizarem.”


Para Koolhaas, a arquitetura é uma profissão perigosa. Não basta apenas uma boa aparência, deve-se abandonar o narcisismo e o conforto para dar mais atenção às realidades perigosas, deve-se também organizar-se para encontrar articulações para as possíveis e inevitáveis transformações e forças da verdadeira modernização. Uma postura otimista é como uma obrigação para qualquer arquitetura. Em suas próprias palavras “uma arquitetura séria deve desejar ser perigosa”. “Meu trabalho é deliberadamente não-utópico: tenta operar conscientemente dentro dos limites das condições prevalentes (...). Por isso meu trabalho assume uma postura crítica em relação a esse tipo de utopia moderna. Ainda assim está comprometido com a força da modernização e com as inevitáveis transformações engendradas por este projeto que vem operando há trezentos anos. Em outras palavras, para mim o mais importante é fazer com que essas forças convirjam e se articulem, mas sem a pureza dos projetos utópicos. Nesse sentido, meu trabalho é positivo ante a modernização, mas crítico com o modernismo entendido como movimento artístico”.

Koolhaas possui um discurso que defende a cultura de massa como um fenômeno que é capaz de produzir, de construir uma cidade que tem lógica e uma razão de ser intrínseca, apresentando-se como resultado de intervenções em que o desejo do lucro prevalece e onde não há, de modo algum, vontade de forma. Para ele, a congestão e a densidade são valores em si com os quais os arquitetos podem e devem trabalhar, pois estes fazem parte da lógica da metrópole. Assim sendo, a liberdade de ação, característica da cultura contemporânea, é fundamental para a produção de arquitetura que responda às necessidades do nosso tempo.

Koolhaas deseja mostrar sua arquitetura como produto que deseja ser consumido por esta sociedade. Para ele a arquitetura é vista como bem produzido pela indústria e por isso pretende, em nome da contemporaneidade, que sua arquitetura seja global, universal, não relacionada a determinadas condições do lugar, por isso o lema “fuck context”, anunciado em Bigness.

Podemos dizer que, atualmente, seu trabalho é um dos mais notáveis devido à ousadia de seus projetos e, implicitamente, pelo seu caráter quase cínico de interesse pela realidade mais cruel: a realidade construída pelos empreendedores. Ele usará isto a seu favor, como forma de propor todo seu desejo de renovação arquitetônica sob respaldo de uma cultura que deseja consumir sonhos megalomaníacos.

Certamente, o não-convencionalismo marca e molda a sua maneira de projetar. Desconstruindo paradigmas e apostando numa maneira de buscar o novo, como ele mesmo diz, “buscávamos, pela primeira vez, realmente inventar arquitetonicamente” , o projeto para a Biblioteca Nacional da França certamente abre espaço e incentiva outros pensamentos de concepção do espaço, do objeto arquitetônico e sua relação com a cidade. Ele reconhece que a tecnologia estava começando forçar a biblioteca tradicional a compartilhar outros tipos de mídia além do livro. Desta forma, Koolhaas concebe o projeto pensando uma maneira revolucionária, na forma do que ele chamou de "comprimidos mágicos", para mesclar todas as mídias em uma só.


A forma arquitetônica da biblioteca mal evoluiu desde as primeiras bibliotecas centenas de anos atrás, segundo sua visão. O antigo método genérico de empilhar andares para todos os usos da biblioteca geralmente funciona bem quando a ela é aberta, mas quando começa a aumentar suas áreas de armazenamento de livro, a leitura pública e áreas de estudo começam a se sobrepor, conferindo uma espacialidade de congestionamento. Este fenômeno como é revelado da explosão da escala. “Além de certa de massa, uma construção se torna um big building. Uma tal massa já não pode ser controlada por um único gesto arquitetônico, ou mesmo por qualquer combinação de gestos arquitetônicos. Essa impossibilidade desencadeia a autonomia das suas partes, mas que não é a mesma fragmentação: as partes mantêm o compromisso do todo.” Desta maneira, a liberdade de interpretação do programa e a criação de espaços públicos e privados é capaz de conjugar perfeitamente os cinco tipos de biblioteca diferentes que faziam parte do programa base proposto. Sua intenção era, portanto, de redefinir-la como uma instituição não mais dedicada somente ao livro e sim um armazém de informação livre.

Podemos relacionar, de maneira análoga, a forma da Biblioteca Nacional Francesa a um dos estudos propostos por John Hejduk conhecido como “nine square cube”. Seu desdobramento está no fato de, no centro de cada um desses nove cubos, Koolhaas posicionar toda a circulação vertical, a partir da incorporação de um pensamento já amadurecido do uso do elevador, como forma de estabelecer conexões espaciais diversificadas e propor novos desafios aos arquitetos. Esta máquina - com o seu potencial para estabelecer conexões mecânicas em vez de arquitetônicas - e sua família de invenções relacionadas tornam nulo e vazio o repertório clássico da arquitetura, “(...) que tem que se valer de gestos incrivelmente complicados para estabelecer conexões”.

Desta maneira, ele cria uma "caixa de informações", expulsando massas do cubo, criando os vazios esculturais que abrigam os espaços públicos da biblioteca.

















Isso nos leva a concluir que se propõe a realizar uma arquitetura que parte de um gesto de subversão da lógica projetual: a construção da não-construção, ou seja, do vazio.
Koolhaas, como normalmente faz, dá nome de cada forma escultural ou vazio na Biblioteca Nacional de França. Localizada na parte inferior da caixa estão as peebles (pedrinhas) que compõem a biblioteca de imagem e som. Nesta, salas e cabines estavam localizadas para ouvir ou assistir a filmes, músicas. A forma seguinte é o cruzamento, que abrigará a biblioteca de eventos. Esta forma é composta por dois espaços vazios que se cruzam. A próxima forma é o que Koolhaas chama de espiral. Aqui uma espiral contínua conecta cinco níveis de pilhas abertas e cabines de estudo para criar a biblioteca de estudos. A forma chamada de shell (concha) era para funcionar como sala de catálogo, bem como ligar a espiral à buckle (fivela) ou biblioteca de pesquisa. O "fecho" é essencialmente uma tira mobious e era para ter um interior científico em que o chão se transformasse em divisórias, paredes e telhado. Desta forma, Koolhaas sugere uma liberdade extrema programático-formal, que se consolidaria com a Biblioteca de Seattle 10 anos mais tarde.

A relação exterior-interior é intensificada à medida que a distância entre o centro e a pele aumenta, sendo a fachada, portanto, incapaz de poder revelar o que acontece no interior do edifício. A expectativa humanista de honestidade está condenada: interior e exterior são considerados projetos distintos em sua essência: um lidando com a instabilidade das necessidades do programa e outro oferecendo à cidade a aparente estabilidade de um objeto. Trata-se de uma relação dualista: enquanto a arquitetura revela, Bigness oculta; ele transforma a cidade de uma adição de certezas em um acumulado de mistérios. O que se vê não é mais o que se é, como afirma o próprio arquiteto.


Sem sombra de dúvidas, tais experiências tiveram seu desdobramento a partir de Nova York Delirante, no qual Koolhaas dirá que “O exterior e o interior de tais estruturas – os arranha-céus – pertencem a dois mundos arquitetônicos diferentes. O primeiro, o exterior, está preocupado exclusivamente com a aparência do edifício como objeto escultórico mais ou menos sereno. Quanto ao segundo, o interior, está em permanente estado fluido, ocupado, com seus constantes programas e iconografias, a atenção dos voláteis cidadãos metropolitanos, presos em seus superestimulados sistemas nervosos e com a perpétua ameaça de serem dominados pelo tédio”. Desta maneira, concebe as fachadas do edifício compondo um jogo de revelações e ocultamentos, produzindo “quase um efeito da natureza, no que concerne seu caráter amorfo e mutante”.

A inserção do projeto no contexto da cidade parte de uma adaptação do seu lema “fuck context”. Ele não nega o lugar, mas sim estabelece um embate. Afinal de contas, o projeto se insere sobre a rígida legislação parisiense respeitando gabarito, etc. Por outro lado, põe de lado toda a referência historicista, inserindo na paisagem um edifício na dimensão da escala da cidade, um edifício monolítico que produz um equilíbrio instável no seu contexto. É interessante observarmos que tanto esse projeto da Biblioteca de Paris quanto a inauguração da Pirâmide do Louvre, de IM Pei, se dá no mesmo ano. Este fenômeno é capaz de nos permitir uma interpretação muito específica, que é a abertura do “Velho Mundo” a uma nova experimentação favorável à renovação arquitetônica.

O pensamento de “cidade genérica”, como ele mesmo diz, rompe com o ciclo destrutivo de dependência, no qual este processo de concepção da cidade nada mais é do que o reflexo da necessidade e habilidade do tempo presente, abandonando a história como modelo. Assim sendo, admite a praticidade como sua principal característica, podendo se expandir, renovar ou autodestruir. “É superficial como um set de Hollywood e pode produzir uma nova identidade toda manhã de segunda”.

A partir daí, poderíamos dizer o mesmo sobre um edifício. Atingida esta escala colossal, tem-se não um edifício, mas sim uma cidade, que em meio a muitas necessidades desfocadas, fracas, desrespeitáveis, desafiantes, secretas e subversivas, faz com que a arquitetura se renda ao campo depois da própria arquitetura.


Na Biblioteca Nacional da França, a abordagem feita por Rem Koolhaas é quase artística, demonstrando uma atitude crítica e não convencional em relação ao programa. “Em um momento em que a revolução eletrônica parece prestes a dissolver tudo o que é sólido - a eliminar toda a necessidade de concentração e concretude física – parece absurdo imaginar a suprema e definitiva biblioteca tradicional. Ele assume uma forma muito diferente, a de criar edifícios que encapsulam a “cultura de congestionamento”, por romper com a natureza genérica modular da arquitetura moderna.

Seu projeto problematiza questões para além do contexto europeu. Uma delas é o enorme desafio que representou na procura de soluções para programas complexos de escalas megalomaníacas. Exige-se aos projetistas o acolhimento de um novo princípio projetual e não apenas articulações puramente arquitetônicas (proporção, escala, coerência volumétrica), surgindo assim, a procura de uma mecanização que una as partes que compõe o todo.

É possível perceber que, com a concepção deste projeto, as necessidades programáticas impostas a uma grande estrutura estão omitidas pela sua epiderme, não revelando o seu funcionamento interno. O exterior oferece um cenário de aparente estabilidade e coerência do todo. A forma não mais revela a função do edifício. Desta maneira, por mais que não tenha vencido o concurso, Koolhaas foi capaz de abrir uma nova visão no pensamento arquitetônico da cidade, fazendo com que deixemos a experiência moderna de lado e busquemos a solução apropriada para o nosso próprio tempo.

Objeto de variadas leituras, sob diferentes prismas, a Biblioteca de Paris provoca e instiga a arquitetura a pensar de outra forma as relações entre objeto arquitetônico e cidade, forma e função, exterior e interior, inserção no contexto histórico e cultural, e por fim, a influência da apropriação dos espaços pelo homem, sendo esta parte indissociável do projeto.



REFERÊNCIAS


KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce. S, M, L, XL. 2ª. Edição. Nova York: Monacelli Press, 1998.
KOOLHAAS, Rem. Conversa com estudantes. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002.
KOOLHAAS, Rem. Delirio de Nueva York. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2004.
NESBITT, Kate. Uma nova agenda para arquitetura: antologia teórica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
http://www.oma.eu/index.php?option=com_projects&view=portal&id=116&Itemid=10 - Acesso em Nov/2010
http://www.riemanndesign.com/web-content/Writings/TwoLibraries.html - Acesso em Nov/2010
http://www.arch.ttu.edu/people/faculty/Neiman_B/pedagogical/bebopstudio/pdf/01_00.1_hejduk.pdf - Acesso em Nov/2010
http://www.louvre.fr/llv/musee/histoire_louvre.jsp?bmLocale=en - Acesso em Nov/2010
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.023/790 - Acesso em Nov/2010

domingo, 3 de outubro de 2010

A poesia é a sublimação dos sentimentos e emoções. É a voz que roga os mais profundos dos nossos desejos, que exprime as mais terríveis contestações. Em sua essência, é expressão de sentimentos, e não um canal como forma de transmitir uma mensagem pura e simplesmente. Partindo da negação da real função da poesia, mesmo a notícia mais corriqueira pode ser transformada em expressão poética. Assim sendo, a busca por esta linguagem nos mais simples fatos do nosso dia-a-dia tem ser tornado cada vez mais comum e, lamentavelmente, utilizado como retórica que nos induz ao consumo.
A indústria do consumo faz uso da pureza da linguagem poética para convencer um público alvo. Propagandas com forte apelo emocional, que visam persuadir e impor novos valores são cada vez mais comuns e atingem as massas de comunicação. O discurso publicitário faz o indivíduo crer que é o herói e o futuro beneficiário de uma busca pelo preenchimento de uma falta (seu desejo profundo) e que ele pode obter esse objeto de busca graças ao auxílio mágico que é o produto apresentado. Trata-se de um exemplo de subversão de valores, em que a compra se ligou à alegria de viver e a publicidade se tornou o discurso hegemônico com relação às emoções.
É inversamente contrário à proposta de Drummond, na qual a poesia é pesquisa, luta, busca do mistério das palavras. Nesta óptica, não é um instrumento verbal para comunicar algo; antes, é um objeto válido em si mesmo, cuja força e autenticidade derivam da plenitude e da opacidade de sua linguagem.
As diversas estratégias e linguagens da sedução proliferam no intuito de conduzir sujeitos à deriva para o porto seguro do consumo e, cada vez mais rapidamente, ao consequente declínio da real função da poesia e da linguagem poética. Um discurso que, lá no fundo, visa não mais que a evocação da liberdade do sentimento, como forma de exprimir a mais artística e singela sensibilidade do poeta diante o mundo, mas que, lamentavelmente, é tem seu uso deturpado no mundo globalizado.

Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

MIDIATECA PÚBLICA MUNICIPAL DONA MARTA

Supervisão: Cláudia Miranda
Professores:
Projeto: Cláudia Miranda, Pedro Lobão, Otávio Leonídio, Vera Hazan e Cláudia Escarlate
Representação: Vera Hazan
Paisagismo: Cláudia Escarlate
Teoria, História e Crítica: Antonio Sena
Tecnologia: Geraldo Filizola
Monitoria: Júlia Trapani e Manoela Braga



ARQ 1104 PROJETO DO ESPAÇO COLETIVO 2010.2

ll ficha técnica
Arquitetura: Guilherme Nascimento
Localização: Botafogo – Rio de Janeiro/ RJ
Área do terreno: 1855 m²
Área construída: 2500 m²

Memorial justificativo de partido
Com o objetivo de oferecer não somente recursos que estejam ligados à prática da leitura e ao conhecimento surge a ideia para este projeto de midiateca como um espaço em as pessoas se encontram. Enraizado cada vez mais em nosso cotidiano o pensamento que se dedica exclusivamente ao individualismo em detrimento da coletividade, proponho uma arquitetura que valorize não o espaço tradicional da biblioteca, que de certa forma isola os indivíduos, mas sim um meio oferecer mais contato entre as pessoas.

A questão dos cheios e vazios é a peça chave do projeto. É a partir da criação de espaços através dos vazios internos da midiateca que sugiro a interação e a socialização. Essas massas escavadas do interior do edifício proporcionam, também, uma sensação de amplitude espacial e permitem o aproveitamento da luz natural zenital.

Os espaços foram projetados com o mínimo de hierarquia, a fim de que se obtivesse uma unidade homogênea na qual todos os ambientes pudessem se interrelacionar e se comunicar de maneira clara, permitindo fluidez e continuidade espacial.

Às áreas de uso coletivo foi dada uma atenção especial. Ainda assim, ambientes tradicionais de uso individual, como espaços de leitura, foram pensados como meio de atender as atividades que requerem um maior silêncio. Ainda assim, estes não se apresentam de maneira clássica e isolada, estando, portanto, conectados visualmente com outras áreas da midiateca, através dos vazios.

O uso de estrutura metálica, combinada com panos de vidro e fechamento de pele também metálica proporciona, além da circulação de ar e um bom aproveitamento da iluminação natural, a continuidade espacial e visadas tanto do interior quanto do exterior do edifício com o seu entorno, potencializando a sua relação de interação com o espaço onde se encontra.



A proposta é oferecer não somente um equipamento que seja capaz de atender a necessidades intelectuais voltadas para a pesquisa e o conhecimento, mas também um elemento no qual as pessoas possam interagir, permitindo a integração dos diversos tipos de públicos deste tão heterogêneo bairro onde o terreno se encontra – Botafogo – sendo capaz de atender em toda a sua pluralidade a qualquer faixa etária de usuário.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

ESPAÇO GALERIA E ATELIÊ MORRO DA CONCEIÇÃO



ARQ 1103 PROJETO DO ESPAÇO DO TRABALHO 2010.1
Supervisão: Marcos Favero
Professores:
Projeto: Marcos Favero, Adriana Sansão e Carlos Eduardo Spencer
Representação: Roberio Catelani, Nathalia Mussi
Teoria, História e Crítica: Ana Luiza Nobre e Fabíola do Valle Zonno
Tecnologia: Geraldo Filizola
Monitoria: Marcos Vinícius Pereira e Manoela Braga


Propomos uma arquitetura a partir da inauguração do vazio como forma de descrever um percurso, promovendo a integração física e social com o bairro, através da conexão dos prédios com o morro.
A forma arquitetônica é resultado deste traçado do percurso incidindo nos “cheios e vazios”, na relação entre o prédio e o terreno em encosta. Buscamos uma maneira de ocupar o terreno de forma que aproveite e potencialize a configuração física do lugar e a sua utilização como elemento de acesso, passeio, visão do conjunto edificado assim como daqueles elementos de referência urbana e cultural do Morro, possibilitando a conexão entre espaços a fim de promover a socialização nos seus caminhos, áreas de estar, mirantes e espaços de transição projetados.
O percurso explora ângulos e diagonais que direcionam o pedestre que caminha pela Rua Sacadura Cabral até uma praça, de onde se sobe até a Rua Argemiro Bulcão. A setorização se configura pelas linhas ortogonais que delimitam os cheios e as diagonais que criam os vazios, articulando assim a transição público-privado. A administração, os ateliês e a galeria, projetados em blocos independentes, se relacionam com o exterior mediante um espaço vazio interno que os conecta visualmente com um espaço livre, sendo previsto o traçado do caminho para uso público dentro do terreno. Esta idéia é reforçada pela passarela, permitindo a promenade por todo o conjunto arquitetônico.
Os materiais escolhidos para a estrutura do edifício e do caminho (percurso) sobre o terreno não possuem revestimento diferenciado tendo sido deixado no estado bruto (concreto) no sentido de destacar a relação da área construída com a pedra originária do local. O concreto e o vidro são enfatizados pela “pele” metálica que recobre e delimita os cheios e os vazios.
O projeto promove, através de diferenciados níveis de espaços “vivos” o encontro entre as Ruas Sacadura Cabral, Argemiro Bulcão e as Artes no Morro da Conceição.


ficha técnica
Arquitetura: Clara Andreatta e Guilherme Nascimento
Localização: Rua Sacadura Cabral, Gamboa, Rio de Janeiro - RJ
Área do terreno: 927 m²
Área construída: 678m²
Projeto: 2010.1

domingo, 25 de abril de 2010

ANTIGUIDADE CLÁSSICA - DISPARIDADES NA ARQUITETURA GRECO-ROMANA: PARTHENON vs. PANTHEON



Grécia e Roma são a essência dos que podemos chamar de Período Clássico ou Antiguidade. Com civilizações próximas, porém diferentes, tais sociedades deixaram enraizadas na história do homem muito mais que “monumentos arquitetônicos”; de um lado os gregos legaram-nos um vasto acerto filosófico, artístico e cultural; de outro, os romanos contribuíram imensamente com desenvolvimento de suas cidades e construções, incorporando uma nova linguagem arquitetônica que perdura até o pensamento pós-moderno.
Relativamente à arte, os gregos exerceram uma influência muito grande na orientação da cultura ocidental. Desenvolveram cânones, que eram unidades, regras e valores pré-estabelecidos para a concretização da obra de arte ideal. O belo só existia caso estes cânones fossem aplicados, transformando a arte numa produção exclusivamente racional.
A arte romana é caracterizada pela coexistência de características advindas de vários lugares (etruscos, latinos e gregos) o que, não lhe concedendo uma unificação e coerência igualáveis às gregas (que derivaram de povos invasores – os helenos), lhe proporcionou um programa artístico diversificado e interessante a vários níveis, como o da fusão da arte provincial com as formas artísticas mais elevadas provenientes da capital.
Diante de tal importância das sociedades grega e romana se faz necessário contextualizar o momento histórico em que se erigem os mais famosos e importantes templos da Antiguidade: o Parthenon, grego; o Pantheon, romano, a fim de que se cumpra o principal objetivo deste texto de maneira construtiva e precisa: resenhar acerca das principais motivações que levaram as civilizações grega e romana a erguerem tais construções, bem como diferenciar tais templos segundo os seus pontos mais relevantes e tangíveis.
O Parthenon talvez seja o maior e o mais influente templo de todos os tempos. Dedicado à Atena, deusa grega da sabedoria e guardiã da cidade-estado Atenas, que lhe deve o nome, o Parthenon assinalou o zênite da arquitetura grega antiga.
A Acrópole, em geral, e o Parthenon, em particular, erigido após as Guerras Médicas (490-480 a.C.), nas quais os gregos venceram os persas, constituem um conjunto artístico monumental, com o qual Péricles pretendeu revelar ao mundo os virtuosismos de uma cultura e de uma civilização, glorificando Atenas. Levando onze anos sendo aperfeiçoado pelos arquitetos Ictíno e Calícrates, o Parthenon aproxima-se do monumento político porque, por um lado, a introdução de “elementos jônicos” num templo dórico serviu a estratégia de Péricles de agradar aos aliados Jônios, a quem os rivais espartanos acusavam de serem frágeis e de se terem deixado vencer pelos Persas e, por outro lado, a representação nas suas métopas de cenas de gigantomaquia (combate mitológico dos gigantes com os deuses), centauromaquia (combate mitológico contra os Centauros), amazonomaquia (combate mitológico dos atenienses contra as Amazonas) e da Guerra de Tróia, que aludem diretamente ao confronto entre o racional e o irracional, entre o Ocidente e o Oriente, ou seja, entre Gregos e Persas, constituiu um símbolo da vitória da liberdade e da democracia ateniense sobre o despotismo imperial persa.
Simbolicamente, o Parthenon representava aspectos essenciais da cultura e sociedade gregas. O templo era, simultaneamente, um local de reunião e de veneração dos valores essenciais do pensamento grego, sobretudo o de povo/democracia, por mais que este se apresentasse sob uma ótica restrita, até certo ponto, no que tange a participação de todos nas decisões da vida coletiva, etc. Para eles, então, um templo como o Parthenon não era apenas belo e impressionante, mas também um símbolo de todos os valores essenciais que mantinha unida a sua perfeita civilização.
O Pantheon está para Roma assim como o Parthenon está para a Grécia. Ele representa o ponto alto do projeto e da engenharia estrutural dos romanos e resume a diferença entre as maneiras grega e romana de construir. Acredita-se que tenha sido projetado pelo próprio imperador Adriano, por volta de 27 a.C. e sua reconstrução entre 115 a 125 d.C.
O seu nome vem do grego (pántheion), que significa “de todos os deuses”, transformado em Pantheon pelos autores latinos. Sua arquitetura refletia, se assim podemos dizer, a postura sóbria diante da vida dos romanos, da construção de cidades e do império, diferentemente dos gregos. Assim, o Pantheon é um edifício vasto de engenharia arrojada, pois sua cúpula foi a mais ambiciosa do mundo, até Brunelleschi erguer a sua na catedral de Florença, entre 1420 e 1436.
Os romanos aperfeiçoaram as técnicas gregas e incorporaram uma gama de novos materiais em suas construções. O principal destaque teve o concreto, assim, tornaram-se mestres do que podemos chamar de “construção plástica”; em outras palavras, o concreto – material plástico e maleável – possibilitava que os romanos construíssem livremente e em escala. A partir daí, começaram a surgir poéticas muito diferentes ao analisarmos ambas as civilizações.
Essencialmente, os romanos adotaram a arquitetura grega como inspiração. Eles fizeram grande uso das ordens dórica, jônica e coríntia, acrescentando a elas duas próprias: a toscana, de origem etrusca, como uma dórica simplificada, e a compósita, uma combinação das ordens jônica e coríntia. Nasce, então, um novo significado na arquitetura romana, que nos permite identificar uma série de outros aspectos diferentes da arquitetura grega. O Parthenon e o Pantheon são os melhores exemplos para tal.
A seguir, apresentar-se-á uma análise comparativa que permitirá observar as principais diferenças entre tais templos, no âmbito da presença das ordens, espacialidade (interior vs. exterior), sistema estrutural, materialidade e morfologia.
“Uma perfeita história da arquitetura é a história dos múltiplos coeficientes que informam a atividade edificatória através dos séculos e englobam quase uma gama dos interesses humanos. A arquitetura corresponde a exigências de natureza tão diferentes que descrever o seu desenvolvimento fica entender a própria história da civilização”. A partir deste extrato de Bruno Zevi em Saber ver Arquitetura, podemos observar claramente que a arquitetura corresponde diretamente a uma necessidade intrínseca da sociedade na qual se erige um objeto arquitetônico. Não há como não conceber o pensamento de que a arquitetura é um espelho dos ideais de cada civilização.
Para os gregos, arquitetura é plástica. O seu templo caracteriza-se por uma lacuna e, de certa forma, uma supremacia incontestada através de toda a história. Tal lacuna corresponde na “ignorância de seu espaço interior”, na glória da escala humana, como propõe Zevi. Explorando ainda o que este teórico defende sobre uma crítica à arquitetura grega, pode-se ver que ele se coloca, sob o ponto de vista espacial, frustrado, chegando a dizer, inclusive, que este se trata de um exemplo típico de “não-arquitetura”, “mas quem se aproxima do Parthenon e o admira como uma grande escultura fica encantado como só acontece diante de pouquíssimas obras do gênio humano” . A partir de tal colocação, podemos concluir que o idealizador do Parthenon parece simbolizar o caráter meramente escultórico desta construção. O exterior do edifício era muito mais importante do que o interior, tanto que seu espaço interno era somente destinado ao deus, no caso, à Deusa Atena, sendo, portanto, vetada a entrada do público.
Assim, havia uma verdadeira busca da perfeição estético-visual; eles, através de vários estudos de proporções, utilizam técnicas de correção visual para assegurar que o templo parecesse perfeito ao olho humano. Uma dessas técnicas é conhecida como êntase, que consiste na leve deformação das colunas e das arquitraves nas fachadas e laterais do edifício, a fim de que o nosso olho enxergasse linhas retas quando, de outra maneira, elas pareceriam curvas.
Ainda com relação à questão espacial exterior/interior do Parthenon, poderíamos dizer que seu espaço interior provavelmente não foi pensado do ponto de vista criativo. Isto porque não respondia diretamente a funções e interesses sociais gregos: é um espaço não encerrado, ou seja, público, mas que intrinsecamente carrega um caráter privado, pelo fato de ser literalmente fechado; o espaço interior fechado é precisamente característico da escultura. O templo grego não era concebido como a casa dos fiéis, mas como a moradia impenetrável dos deuses. Até porque os ritos eram realizados no lado de fora, ao redor do templo, e toda a atenção e o amor dos “escultores-arquitetos” foram transformar as colunas em sublimes obras primas plásticas e cobrir de magníficos baixos-relevos lineares e figurativos as traves, os frontões e as paredes.
A civilização grega se exprimiu ao ar livre, fora dos espaços internos e das habitações humanas, fora mesmo dos templos divinos, nos recintos sagrados, nas acrópoles, nos teatros descobertos.
Passando para a arquitetura romana, ainda no contexto espacial, observamos muitas reconstruções de monumentos do império e imaginamos o espaço e o gosto do foros como deviam ser. Baseados nisso, podemos até dizer que muitos edifícios romanos não eram obras de arte, do ponto de vista escultórico, mas nunca poderíamos dizer que não eram arquitetura. O espaço interior do Pantheon está presente de maneira grandiosa e se os romanos não tinham o sensível requinte dos “escultores-arquitetos” gregos, é porque este não era seu objetivo. Eles valorizavam o espírito pragmático; a arquitetura tinha o objetivo de responder a uma necessidade funcional da sociedade.
O espaço do Pantheon é configurado a partir do seu interior. É clara a antítese de espacialidade interna e externa do Pantheon vs. Parthenon. Fundamentalmente, os romanos tomaram as colunatas que cingem o templo grego e as transportaram para o interior, ao contrário dos gregos. A civilização grega fez isso poucas vezes, e mesmo quando o fez, isto respondia a uma necessidade estritamente construtiva, para sustentar as traves da cobertura, e não como uma concepção espacial interior. No Pantheon, além da necessidade técnica de sustentar a sua gigantesca abóbada, soma-se o fato da escala monumental da arquitetura imperial romana, na qual os homens vivem e agem segundo uma filosofia e uma cultura que rompem a contemplação abstrata, o perfeito equilíbrio do ideal grego, enriquecendo-se psicologicamente, fazendo mais instrumentais, mais propensa a símbolos retóricos de grandeza.
Transportar as colunas gregas para o interior do Pantheon significa deambular o espaço fechado e fazer convergir toda a decoração plástica à potencialização desse espaço. Assim, percebemos que a arquitetura romana presente no Pantheon exprime uma afirmação de autoridade, de poder, que é o símbolo que domina a multidão de cidadãos e anuncia que o império existe.
As diferenças não param por aí. Utilizando a ordem dórica, os gregos erguem o Parthenon. A partir da colocação de Vitrúvio de considerar que as ordens tivessem uma personalidade, podemos, imageticamente, associar a ordem dórica do Parthenon a uma exemplificação da proporção, força e graça do corpo masculino. Já sob a ótica de Serlio, a ordem dórica estaria presente em construções ligadas a santos da igreja, sobretudo santos combativos e extrovertidos, tais como São Pedro, São Paulo ou São Jorge. Diferentemente do Parthenon, o Pantheon erige-se sob a ordem coríntia, que se associa à beleza feminina, para Vitrúvio, e às virgens e puras, tal como Maria, para Serlio.
O fato é que as ordens devem ter sido escolhidas principalmente em função do gosto, das circunstâncias e, provavelmente, em função dos meios disponíveis, já que em uma construção que é empregada a ordem dórica ou toscana é, obviamente, mais barata do que aquela que aparece a escultórica ordem coríntia. Por outro lado, no caso do Parthenon e do Pantheon, é provável que a escolha das respectivas ordens dórica e coríntia foi feita em função do caráter simbólico que cada ordem propicia à construção. Podemos associar a escolha do dórico no Parthenon para expressar rudeza e força e, como propõe Summerson em A linguagem clássica da arquitetura, para expressar uma postura marcial, ou seja, que remete à guerra. Podemos aludir esta postura ao fato de as métopas e tríglifos do Parthenon representarem a vitória grega sobre os persas, como dito anteriormente. As largas caneluras utilizadas nas colunas dóricas empregadas formam arestas vivas, de modo que a gradação claro-escuro possa se refratar, criando menos linhas verticais, para que se tenha uma noção maior de peso. Diferentemente das caneluras de aresta abatida dos fustes coríntios do Pantheon, nos quais se almeja o oposto extremo: criar verticalidade e leveza. A coluna dórica do Parthenon é desprovida de base; apóia-se diretamente sobre o estilóbata, ao contrário das colunas do Pantheon.
No caso romano, a ordem coríntia deve ter sido escolhida para expressar abundância, luxo e opulência a qualquer preço, visto que essa era uma característica do Império Romano em demarcar o território sobre o qual está presente, de forma a mostrar todo o seu poder e conquista.
No templo coríntio, caso do Pantheon, aparece um elemento novo, o plínto, uma espécie de paralelepípedo alto que eleva a base das colunas do plano da estilóbata. Essa elevação indica a tendência de uma abertura mais livre do edifício para a luz e a atmosfera. Isso se pode comprovar diante da elasticidade dos contornos na êntase, pelos capitéis em forma de cesto, com folhas encrespadas de acanto, pela decoração mais movimentada e naturalista do Pantheon.
É interessante e instigável se observarmos a presença das ordens gregas na arquitetura romana. Estes, ao aperfeiçoarem o sistema de arcos e abóbadas, partindo do uso do bom senso, teoricamente teriam que se livrar do uso das ordens, deixando os arcos e abóbadas encontrarem expressão própria. Mas não era o que acontecia. Os romanos, ao adotarem os arcos e abóbadas em suas construções, fizeram questão de empregar as ordens de maneira mais visível o possível. Talvez achassem que, como diz Summerson, sem as ordens, o edifício não poderia ser significativo. Assim, ao integrar a arquitetura primitiva, mas estilizada dos gregos, baseada num sistema estrutural simples com seus arcos e abóbadas, tecnicamente mais complexos, empregam as ordens não como mera decoração, mas como instrumento de controle da composição, dos novos tipos de estrutura, renovando a linguagem arquitetônica. Apesar de muitas vezes serem estruturalmente inúteis, as ordens com cerimônia em grande elegância, dominam e controlam a composição a qual estão associadas, tornando os edifícios expressivos. “Isso permite que se compreenda (...) que, na linguagem clássica da arquitetura, as ordens não estão simplesmente penduradas na estrutura, mas sim integradas a ela (...)” e o tempo todo a controlam.
Como já citado, os gregos partem de um sistema estrutural simples para construir o Parthenon, o conhecido sistema trilítico ou arquitravado, que é uma variação do sistema mais simples da construção, baseado no esquema coluna – viga – coluna. Os elementos estruturais constitutivos do templo grego são uma plataforma elevada (chamada crepidoma, que corresponde à área sobre a qual se assentam as fundações), uma série de colunas isoladas apoiadas sobre ela e um entablamento contínuo que sustenta o teto. Os suportes são as colunas, cujo diâmetro é proporcional à altura e ao intervalo, manifestando, assim, visivelmente a lei de medida e de equilíbrio de forças que rege a natureza, pois como se sabe, “(...) a sociedade grega funda no pensamento de um perfeito equilíbrio entre humanidade e natureza: nada existe na realidade que não se defina e tome forma na consciência humana”.
Para os romanos, o sistema estrutural baseia-se no estudo dos arcos e das abóbadas. A forma-base do Pantheon é o arco, estrutura curvilínea que recolhe e individualiza os pesos e os empuxos nos pontos de assentamento onde se liga às colunas de sustentação. Este arco nada mais é do que uma estrutura de superfície, um semicírculo. Da união de arcos sucessivos de mesma amplitude tem-se uma abóbada de berço, que tem forma de meio cilindro. Duas abóbadas de berço que se cruzam ortogonalmente formam uma abóbada de aresta, que resulta, assim, na formação de seis arcos, quatro laterais e dois transversais. Assim, forma-se um forte sistema de forças combinadas que permite cobrir grandes vazios e, especialmente, estabelecer uma clara distinção entre espaço externo, em que está situado o edifício, e o interno, contido no edifício. Desta forma, chega-se à conclusão lógica de uma estrutura arquitetônica feita de linhas e de superfícies curvas: a cúpula, calota hemisférica, feita de materiais leves: no exterior, sua convexidade resume e conclui as massas murais; no interior, sua concavidade domina e coordena os vazios, como observa Argan.
Quanto à questão da materialidade, no Parthenon o material base é o mármore. Utilizando a técnica do corte da pedra, ou estereotomia, os gregos fizeram uso em escala desse material. O telhado do Parthenon é feito de madeira e, apesar disso, sobreviveu em boa forma desde o término da sua construção até o ataque veneziano a Atenas em 1687, quando a Grécia estava sobre o controle dos turcos.
Já para os romanos, na base do sistema técnico construtivo não havia, como na Grécia, o duro e cristalino bloco de mármore esquadrinhado, mas, muitas vezes, uma matéria pobre ou tenra, sem esplendor, como o tufo, e depois, a mistura informe do aglomerado betume e pedras de cantaria, que se apresentavam sob diversos tipos, formando uma face mural externa de paralelepípedos. A espécie de muramento que daí resulta não tem, certamente, a nitidez do mármore, mas é leve, elástico, flexível. Assim, fica adaptado a um desenvolvimento formal para linhas e superfícies curvas: de fato, no Pantheon, sobretudo na arquitetura romana, diferentemente da arquitetura grega do Parthenon, que é inteiramente colocada sobre linhas retas, a curva é o princípio formal de toda a construção. O mármore e o estuque ganham destaque, pois servem para o revestimento em geral para ocultar materiais de qualidade inferior, como tijolo, tufo, etc, garantindo, assim, aparência de unidade.
Os romanos tinham conhecimento da natureza dos diferentes tipos de materiais de construção. A partir disto, usaram materiais mais leves em direção ao teto da cúpula do Pantheon. Sobre o nível mais baixo, concreto e travertino (rocha calcária) foram os materiais mais utilizados e, em seguida, uma mistura de tufo, calcário e travertino, seguindo de tufo, calcário e tijolos, até, então, chegar ao topo da cúpula, onde se utilizou pedra-pomes, o mais leve dos materiais utilizados no teto da cúpula. Esta utilização de materiais mais leves em cima aliviou um imenso peso estrutural.
“Os telhados romanos também se diferenciavam dos telhados gregos, onde todas as peças eram trabalhadas somente sob o esforço de compressão. Os romanos inauguram a tesoura moderna, criada a partir de um triângulo indeformável, onde a linha é tracionada e o pendural trabalha flutuando, ou retesado na linha como a corda de um arco. O resultado estrutural era uma solução de estabilidade que permitiu a construção de vãos livres de 20 metros como a Basílica de Trajano e outras pontes. Ocasionalmente substituíam o madeirame dos telhados por estruturas metálicas como na Basílica Ulpiana ou no pórtico do Pantheon”.
Partindo desta diferenciação de materiais, chegamos à morfologia, uma vez que o tipo de material é determinante na forma do que se quer construir. Como já citado, os romanos tinham como forma-base a curva e, sem sombra de dúvidas, os materiais empregados na construção de seus templos permitiam o uso tão freqüente de tal forma. No Parthenon, assim como na arquitetura grega como um todo, há o domínio das formas retilíneas, sobretudo, de formas retangulares. O templo grego é uma estrutura volumétrica aberta, não se separa com paredes contínuas um espaço interior do exterior, mas insere-se no espaço natural, atmosférico e luminoso, com repetição rítmica das suas formas plásticas e dos seus intervalos proporcionais. Portanto, a forma do templo “(...) resulta do equilíbrio ou da proporção de verticais e horizontais; no alto, o frontão triangular resume e conclui, quase estabelecendo sua medida proporcional nos lados oblíquos, os dois grandes temas estruturais da carga (horizontais) e da sustentação (verticais)” . Diferentemente da arquitetura grega do Parthenon, a forma do Pantheon tende a desenvolver-se livremente no espaço, com uma sucessão de massas modeladas e de vazios conjugados, articulados e desdobrados. Os grandes volumes fechados (cúpula) se alternam com os grandes vazios arquitetonicamente definidos (espacialidade interna). O templo romano difere do grego pela profundidade do pórtico e a mixagem de formas na planta, ostentando a forma circular, principalmente.
As proporções rigorosamente geométricas do Pantheon (altura da cúpula igual ao seu diâmetro; raio da cúpula igual ao raio do cilindro sobre o qual se assenta, é também igual à altura) conferem-lhe a imagem simbólica do globo terrestre assentando sobre a terra. É, ainda, composto por três elementos geométricos primários: o frontão, que serve de pórtico do octástilo, um cilindro abobadado e uma forma retangular tão larga quanto o pórtico e tão alta quanto o cilindro, introduzido entre os dois corpos.
Como observa Argan, “o tipo do templo romano deriva do etrusco e, depois, do grego; mas sua forma corresponde a uma função diversa. Uma vez que o rito religioso é também cerimônia pública, da qual participam as autoridades do Estado e a população, ele se realiza na parte exterior: diante do templo existe para esse fim um vasto espaço livre; a construção surge sobre um alto pedestal (pódio); acentua-se a uma imponência arquitetônica da fachada, que se eleva sobre o fundo do céu como uma grandiosa cenografia.”
Antes da Grécia Antiga, a arquitetura se mostra um tanto obscura e misteriosa, um teatro de rituais sombrios e até mesmo macabros; uma ópera de efeitos histriônicos e formas caprichosas.
Apesar de não ser estritamente verdade, é apenas com a perfeição geométrica e com a nobre ordem dos templos e anfiteatros gregos que a arquitetura começa a oferecer uma ligação harmônica entre a humanidade e os deuses, o cotidiano e o espiritual, a arte da edificação e a magnífica simplicidade da natureza.
Os romanos foram capazes de nos deixar conceitos essenciais na valorização do espaço interno e na compreensão da dupla importância, estética e estrutural, de elementos como o arco e a abóbada. Observamos as relações adotadas na concepção do edifício, as quais, até hoje, estão presentes tanto no ofício do arquiteto como nas obras que remanescem através dos tempos.
Templos como o Parthenon e o Pantheon podem ser muito parecidos no âmbito da importância e grandiosidade. São templos únicos e especiais, de extrema importância para a história da arquitetura, porém são extremamente diferentes, com intuitos e representações diferentes, tomando como pressupostos todas as citações anteriores e, ainda assim, são templos igualmente importantes e históricos para o desenvolvimento da arquitetura.
Podemos dizer que Grécia e Roma antigas produziram, sem dúvida, dois dos mais importantes edifícios e cidades da história da arquitetura. Eles continuaram a inspirar arquitetos e planejadores de todo o mundo, mesmo na era da viagem espacial, da nanotecnologia e da internet.

Referências
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte italiana: da Antiguidade a Duccio. V.1. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
FLETCHER, Banister. A history of architecture on the comparative method. 10ª Ed. Londres: B.T. Batsford, 1938.
GLANCEY, Jonathan. A história da arquitetura. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
SUMMERSON, John. A linguagem clássica da arquitetura. 3º Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
ZEVI, Bruno. Saber ver Arquitetura. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
http://www.rome.info/pantheon/ - Acesso em 24/05/2009
http://www.soarquitetura.com.br/template.asp?pk_id_area=21&pk_id_topico=511&pk_id_template=1 - Acesso em 25/05/2009.
http://www.arquitetando.xpg.com.br/arquit.htm - Acesso em 26/05/2009.
http://www.greatbuildings.com/buildings/Pantheon.html - Acesso em 27/05/2009.
http://www.greatbuildings.com/buildings/The_Parthenon.html - Acesso em 27/05/2009.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Galeria Leme - Paulo Mendes da Rocha



Análise geral

--ficha técnica
Arquitetura: Paulo Mendes da Rocha
Localização: Butantã - São Paulo, SP
Área do terreno: 415m²
Área construída: 400m²
Projeto: 2003
Construção: 2004

-- conceitos

1. IMPLANTAÇÃO -- CONFORMIDADE
“sf 1. Qualidade do que é conforme(...)”.(Dicionário Barsa da Língua Portuguesa).
Conformar: “1. Formar, dispor, configurar. 2. Tornar conforme, harmonizar, adequar. 5. Ajustar-se. 7. Amoldar-se.”
Condicionamento a preceitos estabelecidos para o máximo aproveitamento de um local.

2. MORFOLOGIA -- NITIDEZ
“sf Qualidade de nítido.” (Dicionário Barsa da Língua Portuguesa).
Nítido: “Adj 1. Límpido, limpo, claro. 2. Em que há clareza; inteligível, claro.” (Dicionário Barsa da Língua Portuguesa).
Transmissão imediata, clara e objetiva da forma ao observador.

3. ESPACIALIDADE -- AUTONOMIA
“sf 1.Capacidade de se governar por si mesmo. ” (Dicionário Barsa da Língua Portuguesa).
Autônomo: “Adj 1. Que goza de autonomia. 2. Independente, livre. 3.(...) que se realiza sem a intervenção de forças ou agentes externos.” (Dicionário Barsa da Língua Portuguesa).
Relação de independência entre os ambientes.

4. MATERIALIDADE -- VERACIDADE
“sf 1.Qualidade de veraz; verdade. 2. Respeito à verdade ” (Dicionário Barsa da Língua Portuguesa).
Veraz: “Adj 1. Que diz a verdade. 2. Em que há verdade.” (Dicionário Barsa da Língua Portuguesa).
Emprego de materiais e suas propriedades em sua essência.